O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso, fez um pedido de desculpas inédito em nome do poder judiciário à biofarmacêutica Maria da Penha pelo omissão e demora da Justiça brasileira em julgar o agressor que tentou assiná-la por duas vezes em 1983.
“Eu gostaria de dizer à Maria da Penha, em nome da Justiça brasileira, que é preciso reconhecer que no seu caso ela [a Justiça] tardou e foi insatisfatória e, portanto, nós pedimos desculpas em nome do Estado brasileiro pelo que passou e pela demora.”
O pedido formal de desculpa cumpre uma das recomendações feitas ao estado brasileiro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) há 23 anos.
A declaração do presidente do STF ocorreu durante a abertura da 18ª Jornada Lei Maria da Penha, evento com duração de dois dias, em uma escola pública no bairro Sol Nascente, no Distrito Federal, a 35 quilômetros do centro de Brasília.
Presente ao evento, Maria da Penha disse que já aguardava pelo pedido. “Eu já esperava que [o pedido de desculpa] tivesse sido feito há mais tempo. Eu acho que, realmente, é um reconhecimento, é um trabalho que foi feito desde o dia em que atentaram contra a minha vida. Desde esse dia, comecei a lutar por justiça. E a justiça não aconteceu com a rapidez que deveria ter acontecido.”
A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, também elogiou o gesto simbólico do ministro Barroso, em nome da justiça do país.
“Eu acho importante e valoroso. Maria da Penha estava aguardando. Ela merece isso, assim como todas as mulheres que sofrem violência no nosso país. Acho que o ministro Barroso está de parabéns pelo gesto, pela simbologia e a Justiça brasileira devia isso à Maria da Penha.”
Desafios
A Lei Maria da Penha completou 18 anos na quarta-feira (7). Apesar de considerar que a legislação batizada em seu nome é uma das melhores do mundo e que está bem implementada nas capitais brasileiras e em grandes cidades, Maria da Penha pede que os mecanismos previstos na lei sejam interiorizados para avançar.
“As mulheres dos pequenos municípios estão desassistidas nesse sentido, porque não tem onde denunciar, não tem como se inteirar sobre os seus direitos, porque o conhecimento sobre a lei não está em todos os municípios, porque não existe incentivo para isso”.
A ministra Cida Gonçalves ainda pediu engajamento da sociedade brasileira para erradicar o crime de feminicídio, dentro da estratégia da campanha do governo federal a ser lançada na próxima semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“A proposta é criar uma mobilização nacional para que as pessoas se envolvam na questão da violência e nos ajudem a fazer as denúncias, a fiscalizar os serviços. É importante que não se naturalize a questão da violência feminicídica.”
Medida protetiva
Em junho deste ano, aos 79 anos, a biofarmacêutica recebeu a proteção do governo do Ceará, a pedido do Ministério das Mulheres, devido a fake news espalhadas por grupos de comunidades digitais, em redes sociais, com versões inverídicas sobre as duas tentativas de feminicídio que sofreu no passado.
Durante o evento desta quarta-feira, Maria da Penha agradeceu à ministra Cida Gonçalves por intermediar esse pedido de proteção junto ao governo do Ceará e por propor que a casa onde sofreu as tentativas de assassinato seja transformada em um memorial de combate à violência doméstica e familiar.
“O medo não me faz recuar, pelo contrário. Avanço mais e mais na mesma proporção desse medo. É como se o medo fosse uma coragem ao contrário. E que possamos avançar por mais 18 anos por uma vida sem violência”, frisou Maria da Penha.
Fonte: Agência Brasil
Foto: José Cruz/ABr