Por Tiago Mendonça
Desde a chegada dos pilotos na segunda-feira, recepcionados por dezenas de jovens enlouquecidas no aeroporto de Guarulhos, SP, estava claro que esta não seria uma corrida como tantas outras disputadas no Brasil. Por aqui, o esporte estava diferente, com novos fãs e um nível de paixão e relevância comparável apenas aos períodos de Fittipaldi, Piquet e Senna.
Por uma junção de fatores, incluindo a temporada aquecida e a demanda reprimida (foi o primeiro grande evento internacional com capacidade máxima desde o início da pandemia), os ingressos se esgotaram rapidamente e na soma dos três dias de evento Interlagos recebeu mais de 180 mil pessoas para o retorno da Fórmula 1 ao País (que esteve ausente em 2020).
Quem esteve nas arquibancadas ou quem viu pela televisão na primeira cobertura da Band como nova detentora dos direitos de exibição ganhou como presente uma corrida inesquecível. Ou melhor, duas, já que o rebatizado GP de São Paulo contou com a sprint qualifying no sábado. As emoções do fim de semana tiveram início antes mesmo da programação oficial.
Primeiro, porque as equipes foram surpreendidas pelo atraso no desembarque dos equipamentos, que ficaram presos na Cidade do México em função do mau tempo. Depois, pelo anúncio de que Lewis Hamilton trocaria mais uma vez o motor de combustão interna (como já fizera na Turquia), o que resultaria na perda de cinco posições no grid.
Para minimizar os danos, só lhe restava apostar tudo na tal da sprint qualifying, beneficiando-se do novo motor para ser o mais rápido e garantir os três pontos dados ao vencedor da corrida curta. Porque no domingo, perdendo as tais cinco posições, estaria frito. E ele até que seguiu muito bem este roteiro, garantindo o melhor tempo na classificação.
Só que os comissários técnicos detectaram uma abertura anormal na asa traseira do carro do Hamilton, o que resultou em outra punição. Por conta da irregularidade, ele teria de largar em último lugar na sprint qualifying, o que jogava por terra sua estratégia. A noite de sexta-feira e o sábado pela manhã foram agitados na sala dos comissários.
É que Max Verstappen também estava sob investigação, por tocar a asa traseira do adversário em parque fechado. Ele colocou os dedos na asa justamente para medir a abertura, o que já era fator de desconfiança da Red Bull. Mas isso é proibido e Max acabou multado em 50 mil Euros pela infração. Um dinheiro muito bem gasto, considerando o prejuízo do rival.
Apesar de ter perdido a primeira posição para Valtteri Bottas logo na largada, chegando em segundo lugar na corrida curta, Max Verstappen ainda estava bem na fita. Isso porque mesmo dando um show Lewis Hamilton não foi além do quinto lugar. Como a punição por troca de motor só seria aplicada no domingo, então o britânico despencaria de novo, agora para décimo no grid.
Verstappen estava com a corrida nas mãos – se não para vencer, pelo menos para ampliar sua vantagem, que já era de 21 pontos naquela altura. O que ele não esperava é que Hamilton fosse conseguir uma de suas atuações mais brilhantes da carreira. Logo na primeira volta, o piloto da Mercedes já estava em sexto lugar.
A partir daí, passou por Carlos Sainz Jr., Charles Leclerc e ganhou a posição de Valtteri Bottas por ordem de equipe. Na volta 19, de um total de 71, já havia superado Sergio Pérez, segundo piloto da Red Bull, e só tinha Max Verstappen à frente dele. Ambos optaram por duas paradas e teriam duelo aberto na segunda metade da prova.
Após as paradas de box, o líder Verstappen tinha 2s159 de vantagem sobre Hamilton. Mas ela começou a despencar rapidamente. Valendo-se do motor novinho em folha, o britânico encostou e tentou a ultrapassagem na Descida do Lago na 48ª volta. O holandês jogou duro como era de se esperar e os dois escaparam da pista.
Hamilton se recompôs e fez nova tentativa na 59ª volta, desta vez no meio da reta oposta, sem chance de reação para Verstappen. O piloto punido duas vezes – em uma situação que gerou a perda de 25 posições no total – estava de volta ao primeiro lugar e pronto para vencer a corrida mais improvável de sua vida.
A bandeirada agitada pela campeã olímpica da ginástica Rebeca Andrade fez Lewis Hamilton se entregar à emoção de sua 101ª vitória. Na volta de desaceleração, procurou por uma bandeira do Brasil, que lhe foi entregue por um fiscal, e repetiu o gesto eternizado por Ayrton Senna. Manteve a bandeira por toda a celebração, inclusive no pódio.
Foto/Mercedes AMG Petronas